31 de maio de 2006

Memória


Amar o perdido
deixa confundido
este coração.


Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.


As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.


Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

(Drummond de Andrade)


E você ficou e há de ficar, porque toda história há de terminar.

23 de maio de 2006

Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança ainda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais
E, se torna, não tornam as idades.

Razão é já, ó anos, que vos vades,
Porque estes tão ligeiros que passais,
Nem todos pera um gosto são iguais,
Nem sempre são conformes as vontades.

Aquilo a que já quis é tão mudado
Que quase é outra cousa; porque os dias
Têm o primeiro gosto já danado.

Esperanças de novas alegrias
Não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
Que do contentamento são espias.



Na companhia das Saudades de Camões, só não consigo sentir saudades da saudades, porque do resto, meu peito sente. Não chora, mas sente. Não revive em memórias, pois quer estar atento ao presente, de mãos dadas com a esperança de a saudade um dia acabar.

15 de maio de 2006




"Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer"
(Cesário Verde)





Moro no Rio de Janeiro, cidade das praias, do sol, do calor e dos bandidos megalomaníacos. Minha janela me dá uma vista linda... Vejo o Cristo abençoando minha manhã, vejo a ponte Rio-Niterói, vejo o castelo da FioCruz, mas também vejo o morro da Mangueira, morro do Borel e alguns outros que nunca lembro quem é quem.


Esse universo, depois de alguns anos, se confunde com a impressão de normalidade, por isso o universo do crime ganhou as ruas e infelizmente nos acostumamos com a loucura do bang-bang carioca. Mas tudo passou dos limites quando na minha pacata Santos houve a megalomania dos presos e seus colaboradores, fazendo minha família entrar em pânico. Quem diria que a linda Santos viveria isso? Foi então que percebi que meu universo é conturbado, que meus dias as vezes são cinzas, que meus olhos não mais confundem tiros no ceu escuro com estrelas cadentes.


Não sei se a Utopia de dias melhores merece destaque. Talvez o fato de eu pensá-la como utópica já denuncia meus pensamentos. Ainda que tudo sempre pode piorar e agravar nosso desanimo, talvez tudo também possa melhorar e por isso acredito na utopia de um Brasil melhor. Não precisamos de mais dinheiro, basta uma coisinha: virtude. Virtudes desde o Presidente ao aviãozinho do tráfico. São as virtudes da lei de Deus que nos salvam, mas quem conseguirá trazê-las e implantá-las nesse mundo? Só o tempo vai responder.


Enquanto isso faço meu dever de casa e passo a desenvolver as minhas, dar o exemplo será que já não é ajudar? Vou descobrir.... Descobrirei na companhia de Mário Quintana....



Das Utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!

não é motivo para não querê-las.

Que tristes os caminhos, se não fora

a mágica presença das estrelas!

8 de maio de 2006

Dando vazão ao pensamento


Agora acredito de fato que existam duas realidades em mim: a personalidade e a individualidade. A personalidade é essa que vive, que interage, que constrói (e muitas vezes destrói) e que se amplia. Enquanto que a individualidade é aquele âmago, aquele inconsciente mais que consciente que dita as mensagens mais sublimes, que é sempre ponderada, que sabe retirar o melhor de cada situação.

Essa conclusão pode parecer pueril e ínfima, mas ela preenche um questionamento que me acompanha de longa data. A muito eu pensava que habitava em mim um vazio. Vazio este que era quase que único companheiro. Ele se ampliava nos momentos mais contraditório, ele tomava forma e cores que eu não conseguia acreditar. Não acreditava mais ainda que tudo aquilo fazia parte de mim. Depois de eu quase sucumbir àquela imensidão de poder, comecei a refletir sobre sua existência. Por que havia um vazio tão grande no meu peito? Por que o desejo de morte batia a porta? Por que a insegurança corroia minhas vísceras? Nem eu mais me dava conta; e a resposta conseguiu ser mais impactante que as pergunta que a geraram.

Eu mentia para mim. Mentia consistentemente, mentia diariamente, mentia sobre tudo e qualquer mínimo detalhe que passava diante de meus olhos. Eu recriava a realidade, que de tão irreal deixava de ser realidade e se tornava fantasia. Comecei a viver num conto de fadas onde não havia Cinderela, branca de neve, príncipes ou anões, existiam apenas fadas, bruxas, feitiços, sapatinhos vermelhos que me levariam para o caminho de casa.

Aos poucos (graças a Deus foi aos poucos) consegui perceber que eu vestia uma mascara que escondia quem eu era. Eu mentia para mim porque não acreditava que eu era tão boa quanto imaginava ser. Eu queria o grande título de rainha do qualquer coisa, quando não via meus títulos de princesa nas coisas relevantes. Eu escondia o que havia de melhor achando que o melhor era aquilo que eu não tinha. A mentira era tão grande que as pessoas percebiam isso com muita facilidade, enquanto a fada dos sonhos que vos narra a história não conseguia ver nem com a ajuda de muitos espelhos.

Mas a esperança nunca se perde. Foi aquela individualidade, guardadinha lá dentro, mas não menos importante, que criou o vazio. Ela criou o vazio para que esse crescesse e engolisse a personalidade hipócrita que crescia. Ela esperou com muita paciência e serenidade para que tudo acontecesse como planejado. E assim aconteceu. A personalidade sucumbiu na sua podridão de mentiras, de fantasias e de hipocrisias.

Agora reina o vazio. Não vazio de consciência, mas de sentimentos. A individualidade começa a construir um novo por vir. Mas este virá com mais confiança, porém com mais humildade; com mais perseverança, porém com mais serenidade; e, acima de tudo, com mais amor. Amor ao que me cerca, ao que me uno para ser alguém melhor, ao que me uno para evoluir.

Se ela vai ter sucesso? Não posso garantir, mas é certo que, se o sucesso não vier, ela começa tudo de novo. O ciclo da vida interna não se encerra, só se expande.